Pesquisadores discutem avanço da cristalografia na América Latina

Avanço da cristalografia é destacado por pesquisadores

25 de setembro de 2014

Por Elton Alisson

Agência FAPESP – Um grupo de 110 pesquisadores de nove países da América Latina reuniu-se, entre 22 e 24 de setembro, no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas, em debates sobre a pesquisa em cristalografia biológica – área voltada ao estudo de cristais de proteínas para compreender processos biológicos, desvendar o surgimento e progressão de doenças e desenvolver novos fármacos.

Eles participaram do Latin American Summit Meeting on Biological Crystallography and Complementary Methods, maior evento científico latino-americano do calendário de comemorações do Ano Internacional da Cristalografia (IYCr2-14). O encontro foi promovido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e pela União Internacional de Cristalografia (IUCr).

“A cristalografia não está estabelecida na América Latina, na África do Sul e na Ásia. Por isso, organizamos encontros científicos nessas três regiões, de modo estimular o avanço nas pesquisas nessa área”, disse Marvin Hackert, presidente da IUCr e professor do Departamento de Química da University of Texas em Austin, nos Estados Unidos, à Agência FAPESP.

De acordo com Hackert, o Brasil foi escolhido como sede do encontro por ser o país que realiza o maior número de pesquisas em cristalografia na América Latina.

Estima-se que, nas últimas décadas, os cerca de 20 grupos de pesquisa no país – concentrados em universidades e instituições de pesquisa no Estado de São Paulo – tenham desvendado a estrutura de aproximadamente 400 macromoléculas.

“Grupos de pesquisa no Brasil estudam, por meio da cristalografia, por exemplo, proteínas provenientes de parasitas responsáveis por doenças tropicais, com o objetivo de desenvolver novos fármacos”, disse Richard Garratt, professor do Instituto de Física de São Carlos (IFSC), da Universidade de São Paulo (USP).

“Nos últimos anos, porém, as pesquisas ficaram bastante diversificadas. Há grupos estudando proteínas de vírus, plantas e bactérias, com diversas finalidades”, disse Garratt, um dos coordenadores do evento.

Entre 1990 e 2013, brasileiros publicaram cerca de 14.400 estudos relacionados à cristalografia, segundo estimou Glaucius Oliva, presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e professor do IFSC-USP, durante palestra no evento. “O número de publicações de trabalhos nessa área no Brasil cresce exponencialmente”, disse.

Entre as razões apontadas para o crescimento está a inauguração, em 1997, do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), no CNPEM. A instituição é a única na América Latina com uma fonte de luz síncrotron –intensa radiação eletromagnética produzida por uma carga acelerada  de elétrons, defletidos por um campo magnético em um acelerador de partículas (o síncrotron).

O equipamento é utilizado por pesquisadores e por empresas, para o estudo da estrutura de materiais em nível atômico. Com a construção da nova fonte de luz síncrotron, a Sirius, também no LNLS, a pesquisa brasileira em cristalografia poderá dar grandes saltos de produção e impacto internacional, segundo Garratt.

“Com a Sirius, teremos condições de realizar pesquisas de ponta em cristalografia e vamos atrair pesquisadores de outras partes do mundo para realizar suas medições no Brasil. Também seremos capazes de enfrentar problemas científicos mais complexos, desafiadores e de mais alta relevância”, disse.

A nova fonte, que leva o nome da estrela mais brilhante vista da Terra, deverá ter um acelerador de elétrons com energia de 3GeV (giga elétron-volts), 518,4 metros de circunferência e capacidade de comportar até 40 linhas de luz (estações de pesquisa).

“A Sirius deverá ser uma das fontes de radiação síncrotron mais avançadas no mundo”, disse André Ambrosio, pesquisador do Laboratório Nacional de Biociências (LNBio) do CNPEM e coordenador da linha de luz MX-1 do LNLS, dedicada à difração de raios X em cristais. “Queremos, por meio de encontros como esse, criar uma comunidade de usuários para a Sirius.” 

Ano da cristalografia

Segundo Hackert, 2014 foi escolhido pela Unesco para ser o Ano Internacional da Cristalografia em comemoração ao centenário do nascimento da área e em homenagem ao trabalho pioneiro na área realizado pelo físico alemão Max von Laue (1879-1960) e pelos ingleses William Henry Bragg (1862-1942) e William Laurence Bragg (1890-1971), pai e filho.

Em 1914, Laue ganhou o Nobel de Física por descobrir que, ao incidir raios X sobre um cristal, os átomos do objeto, distribuídos de maneira uniforme em seu interior, provocavam a dispersão dos raios em direções específicas.

Um ano depois, em 1915, os Braggs também dividiram o Nobel de Física por terem descoberto que, ao medir com precisão as direções e a intensidade dos feixes de raios X que perpassam o interior de um cristal, é possível produzir uma imagem tridimensional da estrutura atômica do material.

As descobertas contribuíram para desbravar o campo do conhecimento considerado fundamental em diversas áreas das Ciências, como a Química, a Física, a Biologia, a Medicina e a Ciência dos Materiais, entre outras.

Apesar de sua importância para as Ciências e para a vida humana – uma vez que permite estudar a estrutura da matéria em nível atômico ou molecular e, a partir desse conhecimento, abrir a possibilidade para o desenvolvimento de novos fármacos e materiais mais resistentes –, a cristalografia ainda permanece relativamente desconhecida para o grande público, segundo Hackert.

“Quando falamos para o público não especializado em ciência sobre as enormes descobertas feitas por cristalógrafos ao longo desses 100 anos – como a da estrutura da penicilina [pela química inglesa Dorothy Crowfoot Hodgkin], que permitiu sintetizar e produzir esse antibiótico natural –, eles nos perguntam o que é a cristalografia”, disse.

“Com as atividades planejadas este ano, pretendemos contribuir para aumentar o conhecimento da sociedade em geral sobre os benefícios e a importância da cristalografia”, afirmou.

A cristalografia também é reconhecida como uma área pródiga em prêmios Nobel. Estima-se que a pesquisa de 45 vencedores do prêmio nas últimas décadas, nas áreas de Fisiologia, Biologia, Química e Física, tenha relação com a cristalografia.

Em 2009, a química israelense Ada Yonath dividiu o Nobel de Química com os colegas Venkatraman Ramakrishnan e Thomas Steitz por identificar a estrutura do ribossoma e a forma como ele é interrompido por antibióticos.

“A cristalografia envolve problemas multidisciplinares. Por isso, atrai pesquisadores de diferentes áreas, como a Química e a Física, para tentar juntos encontrar respostas para os problemas que nos apresentam”, disse Yonath, também presente no encontro em Campinas. 

 

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